Exposições

Vida transbordante e os desejos do mundo

É inegável que vivemos um momento crítico de grandes mudanças climáticas a nível planetário. A cada dia, mais formas de vida são fatalmente extintas ou têm suas condições de sobrevivência ameaçadas. Essas são algumas consequências brutais das enormes transformações sociais, tecnológicas e culturais características da expansão da modernidade pela face da terra, que acontece em conjunção íntima e inseparável com os processos de colonização. Oprimindo e aniquilando uma infinidade de formas de viver, de saber, de sentir, de imaginar, de se organizar coletivamente, de ter fé e de ter prazer, a modernidade/colonialidade impôs seu racionalismo instrumental como a única forma legítima de ser e estar no mundo. A partir da oposição binária em relação à natureza, o ocidente criou a ilusão de que apenas a “humanidade” é detentora de inteligência, agência e subjetividade, enquanto o mundo e as existências não-humanas seriam dados apenas como objetos passivos a serem medidos, definidos, categorizados, e fatalmente consumidos (algumas vezes à exaustão) para extração de valor comercial. Neste momento em que testemunhamos o resultado catastrófico dessa forma de viver, torna-se urgente criar ou fortalecer maneiras alternativas de relacionar-se com o planeta que saibam considerar, respeitar e aprender com as inteligências dos diversos elementos do mundo. 

Respondendo a esta inegável urgência e alinhado à nossa longa dedicação institucional em investigar questões relativas a desejo, prazer, gênero, sexualidade e comportamento coletivo, o Solar dos Abacaxis sentiu-se compelido a empenhar-se na direção das Ecologias Cuir/Queer, apresentando e expandindo esse campo de maneira mais alongada em nossa programação. Ao longo das últimas décadas, artistas e pensadores de diversas regiões do mundo vêm ressaltando a importância desse campo para o desenvolvimento de reflexões sobre novas formas de ser mundo, mais propícias e abrangentes às infinitas formas de vida que coabitam o planeta.

Desenvolvido em parceria entre a equipe curatorial do Solar e a curadora convidada Lorraine Mendes, o ciclo de exposições Vida transbordante e os desejos do mundo reúne propostas de 16 artistas cujas maneiras de sentir, pensar e ser com o mundo oferecem alternativas potentes à limitada e limitante concepção de realidade imposta pela modernidade. O título do programa aponta para uma cosmovisão que concebe o mundo como um grande e contínuo fluxo vital, descentrando a humanidade de suas próprias narrativas e compreendendo tudo que existe como as múltiplas manifestações da inteligência, do desejo e da memória do próprio planeta. 

A exposição reúne propostas de artistas cujas obras cruzam investigações sensoriais, políticas, eróticas e conceituais, fundando um território de renegociação dos limites do possível, visando inspirar maneiras de conceber a existência que entendem que inteligência, agência, memória e desejo estão em todas as coisas, em todas as partes. Os trabalhos presentes do Ciclo 1 exploram formas não-verbais de comunicação com a natureza, ressaltando poéticas de entrelaçamento com o mundo por meio dos múltiplos sentidos, nominados e inominados. No Ciclo 2, artistas apontam para nossa inseparabilidade do planeta, ressaltando nossa participação nos fenômenos cíclicos da matéria e do espírito, abraçando a presença do inverificável e reverenciando a dimensão encantada da existência. No Ciclo 3, celebramos o encontro com as comunidades que compõem o Solar dos Abacaxis, trazendo os vestígios e processos do programa educativo liderado pelas educadoras Isabelle Ferreira e Isadora Machado para dentro do espaço expositivo, gerando mais oportunidades de aprendizado coletivo considerando as múltiplas perspectivas de nossa comunidade em relação ao tema explorado por esta exposição.

Até o final de 2024, um período importante de fortalecimento das atividades do Solar a partir desta nova sede, outras exposições e programas em formatos diversos e vibrantes continuarão a reunir e nutrir práticas artísticas dedicadas a este campo, seguindo assim com nossa missão institucional de apoio à experimentação e de defesa da vida, do prazer, da diversidade e da liberdade. 

 

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