Manjar

Manjar: Beleza e Devastação ou Eterno Retorno

Beleza e Devastação ou Eterno Retorno

Justo no limite entre a mata e a cidade, na zona híbrida onde o bicho encontra o homem e o passado assombra o futuro, escondia-se uma fonte d’água viva. Às sombras do Solar dos Abacaxis, especulava-se sobre seu destino, acreditando que seu jorro findara ainda no tempo da opulência imperial e que dela hoje restaria tão-somente um pó de oligisto.

Entretanto, com o lento passar dos anos, em meio ao inaudível murmúrio das pedras, esta fonte encontrou a chance de novamente se alimentar dos prazeres e das fantasias daqueles que dela se aproximavam: secreta no seio rochoso, foi se avolumando em torno de sua própria solidão, até conformar um torvelinho, uma espiral veloz e agressiva como jamais antes fora vista, alimentada da beleza e do encantamento que se infiltraram pela terra do Solar.

Dos antigos salões e jardins sobraram apenas vestígios misteriosos, enigmáticos fragmentos que nos lançam a diversos passados e futuros, como vertentes do jorro intempestivo daquela antiga fonte. Entre o morro e o asfalto, o presente é uma sombra a bailar vibrante por outras temporalidades deste território.

Desde o futuro, que nos permite mirar o passado com o interesse de quem escava o tempo, convidamos a todos a uma noite de revelações, de inebriante contato com seres e objetos que habitaram este lugar em existências paralelas atravessadas por tempos imemoriais. Eis, neste espaço, uma coleção de personagens e elementos que sobreviveram ao fim dos séculos para nos encontrar do outro lado deste portal entre o ontem e o amanhã. Eis o presente, outra vez, operando como essa força embaralhante dos sentidos, nos oferecendo a possibilidade de um novo futuro, de beleza e de transformação.

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Este projeto nasce do desejo de pensar o Solar dos Abacaxis como um espaço ficcional, uma zona espectral situada entre o passado, o presente e o futuro, um palco privilegiado a partir do qual podemos experimentar a arte e a arquitetura como a arqueologia encara eras indeterminadas. Os tempos colidem, se embrenham na mata e na arquitetura, afetando-se mutuamente, rasgando uma fenda disparadora de reflexões estéticas, políticas e culturais.

O Manjar, essa exposição que se manifesta com temporalidade tão específica, é o espaço simultaneamente real e virtual onde imagens são construídas enquanto encontros ocorrem e tornam a ocorrer num mesmo lapso temporal: o presente que se renova intempestivo a cada novo dia, a cada nova noite.

O conjunto de objetos e obras de arte aqui reunidas são sinais, vestígios da articulação de muitas realidades, narrativas e tecnologias; elementos que gravitam no entorno, mobilizando desejos e demandando nossa fracionária atenção em meio à torrente de imagens que nos envolvem e nos são dadas a ver, num átimo, de um só golpe, vertiginosamente, em fôlego desenfreado.

Bernardo de Souza e Bernardo Mosqueira

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