A Grandiosa Festa Junina de Santo Antônio do Abacaxi

Grandiosa Festa Junina de Santo Antônio dos Abacaxis III

A Grandiosa Festa Junina de Santo Antônio dos Abacaxis é um dos modelos de atividade criados pelo Solar como experimentação de outras formas de encontro com a educação e a arte. Esta celebração se inspira nos elementos e dinâmicas presentes nas diversas festas juninas brasileiras – como a fogueira, o casamento, a corrida do saco, a pescaria – para desenvolver uma ação que articula arte, celebração, aprendizagem e política.

Em 2017, nos inspiramos em uma faixa que anunciava uma festa junina na praça central de Itatiba (cidade produtora de abacaxis no interior de São Paulo) para desenvolver o título daquela ação que encontrava na arte um território para as disputas das categorias de tradição e inovação, e, por isso, para a invenção de novas éticas.

A terceira edição da Grandiosa Junina celebra a terra e sua generosidade, a colheita e sua partilha, os sonhos coletivos e o poder da colaboração. Aqui são cultuados o amor, a alegria e as forças da natureza que nos formam, transformam, protegem e ultrapassam. Nessa ação, evidenciamos as contradições e ironias ambicionadas pelo uso deste título, mostrando que a grandiosidade que temos almejado não é a giganteza, mas a vitalidade, não é a enormidade, mas a justiça. É a grandiosidade de uma planta que brota, de pessoas que se amam, de trabalhadores e estudantes que se insurgem.

Nesta edição, convidamos a curadora Ariana Nuala para desenvolver conosco a presente exposição. Além disso, há uma extensa programação musical, incluindo um encontro musical inédito entre Lia de Itamaracá, Novíssimo Edgar e DJ Dolores. Reunimos ainda coletivos de mulheres de diversas regiões do Rio de Janeiro que encontram na comida a sua autonomia e sustentabilidade. Reconhecemos a enorme dedicação de todes e agradecemos pela sorte de podermos colaborar. Essa ação remunera mais de 200 trabalhadores da arte, agradecemos a todas as pessoas investidas nessa criação. A força e a delicadeza dos processos coletivos afetivos nos funda, inspira e movimenta.

 

De “Raio a Raio”, a justiça será feita.

Bernardo Mosqueira – diretor artístico

Catarina Duncan – curadora geral

Ana Clara Simões Lopes – curadora

 

Raio a Raio 

A cada passo na escuridão, para alguns olhos, era possível perceber as faíscas que dançavam sob os movimentos que cada pé fazia ao bater no chão. Entre os pesos, formavam-se sons que juntos ecoavam em estrondos, pedras pareciam cair do céu, mas, na verdade, o som anunciava o motim dos caminhantes. Em suas mãos, cabeças e nucas haviam pequenos feixes de luz, assim o coro avançava entoando loas em sua andança. Vira e mexe, não se podia ver por completo, mas eles se desmanchavam em luz, ela se borrava com a poeira da terra, e de repente, eles eram fumaça. O desejo de caminhar acontecia, era desvio do cansaço e desanuvio para as mentes. Ao mesmo tempo que se abria para um sorriso, a mesma boca cochichava: “Sabe que isso aqui pra gente é celebração, né? Não é esforço, não.”  Continuando a andar, fazendo a festa que se deseja e acordando quem ainda dorme, os raios continuam a ricochetear. 

Ao articular com 28 artistas que orbitam suas produções a partir de manifestações da rua, sejam festejos “populares”, movimentos políticos, ou no cruzamento entre esses dois espaços, a exposição reforça a importância dos ritos que envolvem fazeres artísticos. Práticas que insistentemente revisitam e acionam coletividades contra-hegemônicas em um exercício, principalmente, sobre memórias negras e indígenas e o deslembrar de distrações coloniais. 

O ciclo junino se inicia com o plantio do milho, onde conseguimos reavaliar as questões sobre trabalho e seu lugar de valia, prosperidade, celebração e construção coletiva. Reconfiguramos a maldição jogada sobre a terra em espaço de fartura.

Compreendendo todo processo de desterritorialização feito a partir de um calendário colonial, refletimos sobre a pluralidade de crenças encontradas no território brasis. Percebemos um processo estratégico nas diferentes festas juninas que foram ressignificadas por comunidades tradicionais.  Essa força de reinvenção, por exemplo, é vista nos festejos de Acorda Povo, período no São João dedicado ao orixá Xangô puxado por alguns terreiros de candomblé no estado de Pernambuco, este momento de energia brincante, que acontece na rua, tem como princípio a possibilidade de um recomeço: se acorda o povo para que este desperte, se desperta o povo para ele sonhar acordado. 

Os trabalhos expostos não visam figurar um festejo junino, longe de uma proposta de representação, a exposição se cria na possibilidade de orbitar um caminho que ative ritos. Contrariando a impermanência de práticas fora de um monopólio patriarcal e a permanência de saberes que foram forçados a uma obliteração diante das imposições e feridas causadas por todos os lastros da colonialidade. A duração se torna recusa de desaparecimento, mas também enxerga os lampejos que indicam mudança, a possibilidade de um tempo dentro do outro, e não do descarte pelo o que não é reconhecível, estratégia que alimenta medidas exploratórias. A fissura de um raio nos permite ver a intensidade de uma coletividade que não se deixa apagar. 

 

Ariana Nuala

 

Fotos de Victor Curi.

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